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Resumo: O objetivo deste trabalho é descrever e analisar a práxis pedagógica da professora do Ensino Fundamental de uma escola de hospital filantrópico na Bahia. A etnografia e a abordagem multirreferencial foram os subsídios teóricos do trabalho. A pesquisa foi um estudo de caso, e os instrumentos utilizados foram: observação das aulas das professoras registradas em diário de campo e vídeo entrevista com as professoras e depoimentos de alunos e familiares. Os resultados apontaram que a práxis pedagógica era diversificada e desafiadora, pois o currículo era construído para alunos com idades, cidades, níveis de escolarização e patologias diversas. A proposta multicultural implicada mostrou-se apropriada ao contexto, pois permitiu aos alunos expressarem suas idéias e percepções e integrá-los naquele universo. O trabalho também identificou a necessidade do reconhecimento desta modalidade educativa como parte integrante do sistema oficial de ensino e um maior acompanhamento do projeto por parte das instituições responsáveis.

Palavras-chave: Ensino Fundamental, escola no hospital, políticas públicas

Escola no hospital: educação em contexto diversificado1

No Brasil, nos últimos anos, em função das transformações políticas, econômicas e sociais, diferentes práticas educativas estão se expandindo em contextos variados como: hospitais, sindicatos, nos meios de comunicação, nas ruas, nos presídios, abrigos e em outras instituições. Estas práticas estão relacionadas a movimentos da sociedade civil dos sindicatos, movimentos ecológicos, políticos, religiosos e de inclusão social. A maioria destes trabalhos está relacionada com a Educação Não Formal e Organizações Não Governamentais, as quais têm procurado complementar as práticas escolares ou preencher as “brechas” e funções que a escola e o próprio Estado têm deixado de cumprir. As escolas que atendem crianças e adolescentes nos hospitais têm representado um papel significativo para estas pessoas que, durante décadas, foram silenciadas e excluídas em relação ao direto à educação por serem consideradas incapazes de dar continuidade aos seus estudos. Nos hospitais públicos brasileiros, é possível encontrar quadros de extrema miséria da população e conhecer a realidade de muitas crianças e adolescentes enfermos que nunca freqüentaram as escolas regulares por motivos diversos como: dificuldades econômicas que os impediam de ir para a escola, processos de exclusão social, patologias graves que dificultavam a freqüência regular de crianças e adolescentes nas escolas, trabalho infantil, dentre outras razões. Muitas destas crianças e adolescentes tiveram a sua única oportunidade do hospital e somente puderam compreender seu significado a partir do momento em que nela se fizeram presentes. Desta maneira, as escolas nos hospitais têm representado uma outra ordenação no sistema escolar. Nóvoa (2002) considera que é preciso compreender as razões que estão impedindo a escola de cumprir muitas de suas promessas históricas. Para ele, a “crise“ nas escolas, em tempos modernos, tem criado ambientes alternativos de educação. Este movimento de expansão das práticas educativas está fazendo com que haja uma renovação do espaço público da educação. Porém, ele considera que, como não se tem unicidade nas ações que vêm sendo desenvolvidas, pois existe uma multiplicidade de soluções e políticas, ainda não se têm elementos que permitam avaliar rigorosamente o impacto destas políticas e ações. Neste artigo, será apresentada a práxis pedagógica de uma professora do Ensino Fundamental de um hospital filantrópico da cidade de Salvador na Bahia. Este trabalho faz parte de uma pesquisa cujo objetivo de estudo era analisar os impactos do trabalho das professoras para as crianças e adolescentes que freqüentavam a escola naquele hospital. A pesquisa2 foi um estudo de caso qualitativo e teve como referencial teórico metodológico os princípios da etnopesquisa proposta por Macedo (2000). Durante o período de um ano (2003-2004), na pesquisa de campo, foram observadas e analisadas as práxis pedagógicas das professoras da escola no hospital: a professora da Educação Infantil e a do Ensino Fundamental. Neste trabalho, será apresentado somente a práxis da professora do Ensino Fundamental pelo fato de a professora construir um currículo democrático e multicultural que se mostrou bastante apropriado, pois atendia aos interesses dos alunos da sala de aula multisseriada e lhes possibilitava atuarem como protagonistas de suas histórias. A práxis pedagógica da professora da educação infantil apresentava aspectos significativos de integração das crianças no hospital. Porém, as atividades estavam centradas na alfabetização e contemplavam de forma incipiente os interesses das crianças que freqüentavam as aulas e tinham idades que correspondiam dos dois até os seis anos. Para muitas daquelas crianças, de acordo com os depoimentos gravados em vídeo, a vivência na sala de aula representava um duplo espaço de exclusão, pois as crianças reclamavam da ausência dos amigos, por estarem segregadas no hospital e por não conseguirem acompanhar as atividades propostas pela professora. Esta estruturação do trabalho ocorria, pois a professora não tinha clareza dos referenciais teóricos a serem utilizados para fundamentação do seu trabalho. A formação profissional da mesma era deficitária (embora tivesse especialização em psicopedagogia) e não recebia orientações da coordenadora pedagógica. André (1999) discute o fato de que, em muitas práticas pedagógicas, o professor trata as diferenças de modo tão acentuado que favorece os que participam das aulas e desfavorece aqueles já desfavorecidos social e economicamente, realizando muitas vezes uma diferenciação intencional, gerando discriminações e preconceitos no interior das salas de aula. Nesse sentido, as práticas de professores que estão procurando ativamente diversificar as tarefas de sala de aula para atender aos diferentes interesses e níveis de desenvolvimento dos alunos merecem estudos mais aprofundados.

MATOS, E.M. e MUGIATI, M. 2001.
Pedagogia hospitalar. Curitiba, Champagnat,90.

TAAM, R. 2000. Assistência pedagógica à criança hospitalizada. Niterói, RJ.
Tese de Doutorado. Universidade Federal Fluminense - UFF, 216 p.

O que a escola tem a oferecer para a formação do jovem? Mais do que possibilidades de resposta, propomos aqui uma breve reflexão a partir do tema que emerge desta pergunta. Ainda que breve, o objetivo de realizar uma reflexão pede uma nova formulação da pergunta, que terá de se desdobrar em outras tantas, que se encontram embutidas na primeira.

Perdoe-me, leitor, a aparente confusão e jogo de palavras, mas se trata, propositadamente, de explicitar o método de construção do raciocínio do texto.
Vamos, então, ao desdobramento da pergunta inicial: O que entendemos por escola? Que concepção temos de formação? O que desejamos para o futuro do jovem?

A instituição escolar tem sido concebida como espaço privilegiado de construção de cidadania, portanto como lugar em que o exercício de um convívio democrático e solidário deve ser incentivado.

Para tanto, ela precisa constituir-se como um locus coletivo de construção de humanos enraizados em seu tempo, o que envolve também informar, mas principalmente formar consciências, construir sujeitos capazes de refletir e aptos a criar.

Nesta concepção, a ação escolar, que envolve educadores e educandos, formalmente e com papéis estabelecidos (mas que se permitem revezar no de mestres e aprendizes), se organiza para construir pessoas. Atenção: construir pessoas! O produto da ação escolar são homens e mulheres, espera-se, de qualidade boa, isto é, generosos, solidários, preparados para viver e compreender o mundo em que vivem e compreenderem-se nele.

Cada etapa da educação básica terá de, habilmente, organizar-se para caminhar em direção a esse objetivo. O ensino médio, etapa final da educação básica, é o que se voltará para a formação do jovem.

Bem sabemos que formá-lo não envolve apenas a ação escolar. Oportunidades culturais, artísticas, de convívio social são fundamentais. Não há também como formá-lo sem criar oportunidades para que ele possa continuar se desenvolvendo profissional, pessoal e intelectualmente, a fim de poder realizar-se como ser humano, membro de uma sociedade, e que, como tal, deve ser respeitado.

Conhecimento como estratégia

À escola cabe também papel essencial no processo de formação. Não se trata, por óbvio, apenas de instruir os jovens em determinadas habilidades, nem de levá-los a se apropriarem de um acervo de conhecimentos, mas – nesta concepção – de instaurar e amadurecer o próprio pensar, base da construção de sua autonomia pessoal, aqui compreendida como um direito a ser conquistado por todo ser humano de se autogovernar, tendo como parâmetro a alteridade, o respeito ao semelhante.

O conhecimento é compreendido como uma estratégia da existência e não constitui uma esfera isolada das demais coordenadas da vida.
Aulas pesadas, com conteúdos eminentemente teóricos, e desvinculadas da realidade do jovem, ou, por outro lado, um ensino solto, sem objetivos claros, em que se chama “reflexão” a conversas intermináveis, que não trazem em seu bojo a preocupação com a superação do conhecimento gerado pelo senso comum, não são adequados. São caminhos que, embora aparentemente opostos, conduzem ao mesmo perigoso fim: um jovem não preparado, sem condições de assumir-se em todas as suas dimensões.

A leitura da história humana nos revela que o modo humano de ser e estar no mundo nunca pressupôs uma realidade pronta, pelo contrário, sempre incluiu a idéia do devir. A humanidade viveu e vive um constante processo de construção e, para isso, tem de se preparar. Eis a razão de ser da formação, que se faz pela educação, tanto informal quanto formal, escolarizada. O conhecimento é mediador desse processo, por isso é estratégia de existência.
Para que as novas gerações sejam inseridas no mundo, elas precisam ser formadas para debater a sua vida em sociedade; para criar melhores alternativas de viver/conviver; para fazer também o imprevisível; para buscar o conhecimento autonomamente; para atuar no mundo do trabalho; e para, por meio de um constante processo reflexivo, construir-se acreditando em si mesmas. O currículo, as práticas didáticas e o convívio escolar são mediações necessárias à realização dessa formação, cujas palavras de ordem são reflexão e diálogo. Não há um nem outro sem os conhecimentos e os sujeitos envolvidos, que são fundamentais.

Apesar do uso e abuso que tem havido em relação às expressões reflexão e diálogo, esvaziando-as de seu significado mais profundo, não nos furtaremos de utilizá-las à exaustão, se necessário, por entendê-las fundadoras do processo educativo, quando tomadas na sua significação mais viva. A reflexão nasce do espanto com a vida, do incômodo com uma existência incompleta e do desejo mais profundo do nosso eu de superar problemas. Nasce de uma indignação que nos mobiliza para a reflexão-ação. É, portanto, geradora do próprio conhecimento, tomado em seu processo de construção.

No percurso formativo, o mundo jamais é tomado como uma evidência. O exercício de formação se serve do genuíno diálogo, que supõe uma interlocução verdadeira com a expressão do outro, a do não-eu. Nesse percurso formativo, o conhecimento e a reflexão são meios, e o devir da humanidade é fim.

Voltemos à questão-título, que originou este artigo: O que a escola tem a oferecer para a formação do jovem?

Embora saibamos do alto teor utópico que a concepção de escola aqui adotada evidencia, consideramos que pensá-la como formadora seja essencial. Não há ingenuidade, ou ignorância do caráter histórico discriminatório da instituição escolar, mas o desejo de evidenciar, nas contradições da sua proposta originária, a sua possibilidade emancipatória.

Para além da necessária habilitação técnico-científica dos jovens, o que está em pauta, quando se fala dos objetivos da educação para eles, é a formação da pessoa. Trata-se de um horizonte de que não podemos abrir mão, ainda que reconheçamos os obstáculos colocados pela nossa dura realidade.
A construção de sujeitos autônomos e conscientemente históricos – eis o que desejamos para o futuro dos nossos jovens – envolverá também um necessário processo de aquisição/reflexão acerca de valores.

Formação de valores

Afirmamos, logo nos primeiros parágrafos, que a instituição escolar tem sido concebida como espaço privilegiado de construção de cidadania. Ora, não ser indiferente é fundamental ao exercício da cidadania, e isso não emana de um gesto inato. Por conseguinte refletir e posicionar-se são habilidades que precisam ser adquiridas, são passíveis de aprendizagem. Assim, a educação, incluindo-se a escolar, está necessariamente implicada na construção de valores.

Do ponto de vista antropológico, nascemos e vivemos no interior do mundo cultural, que é / contém uma rede de significações que nos antecede, de tal forma que os nossos comportamentos, que não são naturais, sofrem uma modelagem imposta por esse mundo. Incorporamos costumes e valores previamente estabelecidos e a eles vamos acrescentar, durante nossas vidas, aqueles formados com base em novas informações e reflexões. Somos, portanto, bons imitadores uns dos outros (assim como bons inventores), porque continuamos a criar – a nós e ao próprio mundo – a partir das imitações que fazemos ao incorporarmos costumes e valores vigentes. Numa boa hipótese, não aceitaremos de modo passivo os valores impostos durante todo o tempo, mas os incorporaremos e refletiremos constantemente sobre a verdade contida neles, para revê-los, ou reafirmá-los. Os valores são adquiridos e podem ser transformados.

Qual é a responsabilidade da escola na formação dos valores dos jovens?
Preliminarmente, é preciso afirmar que a escola não é a única responsável pela formação ética dos jovens, embora seja a mais cobrada socialmente por isso. A força da sociedade consumista, as mídias, a falta de oportunidades para que o jovem se desenvolva pessoal e intelectualmente, a ausência de políticas públicas que o contemplem, têm deixado o jovem solitário na formação de seus valores. Na sua imaturidade, de modo não reflexivo, ele tende a reproduzir os valores dominantes da sociedade em que vive, muitas vezes sem maquiar o processo, como fazem os mais maduros.

Do ponto de vista ético e de comportamento social, a nova ordem socioeconômica estimula o consumismo e o individualismo, que vai a limites extremos, gerando instabilidade constante e agressividade. O segmento jovem é dos mais atingidos por esse processo. A vida coletiva e a cooperação deixam de ser valorizadas, cedendo lugar à competição desenfreada e à luta individual, seja ela por sobrevivência, seja pelo sucesso a qualquer custo.

A naturalização deste processo gera, contraditoriamente, uma busca equivocada pelo prazer imediato, efêmero, e por valores morais conservadores, estáveis. Temos aí uma articulação perigosa de valores, que coloca lado a lado um individualismo exacerbado e uma moral conservadora. Nesse contexto, o discurso moralista conservador é retomado com caráter de urgência. Na escola, a discussão sobre a necessidade da educação moral volta à pauta como antídoto à indisciplina e à violência; reduzida, no entanto, em sua dimensão e importância. Cobra-se, dos professores, mais autoridade, entendida como mão forte para disciplinar os alunos. De modo equivocado, clama-se por um disciplinamento dos jovens, vinculando-se esse processo à idéia de construção de valores e de cidadania.

Vale aqui uma lembrança: o ato moral deve ser composto não apenas pela obrigação social, ou pela obediência às regras, mas também pela escolha do indivíduo que o realiza. Caso isso não ocorra, ele perderá o seu conteúdo fundamental. A adesão, ou a rejeição à regra constituem parte essencial da ação moral e pressupõem discernimento para optar. Saber escolher entre o que se considera certo e o que se considera errado, para decidir pela adesão, ou transgressão às determinações sociais, é uma aprendizagem necessária. É um exercício da autonomia, entendida como uma segurança pessoal construída dia a dia, por meio do aprendizado de um pensar responsável e reflexivo, que pressupõe um repertório cultural constantemente revisto.

Nesse sentido, se queremos um jovem que venha a constituir-se em adulto autônomo, a atitude educativa desejável é a do estímulo ao discernimento e à opção. Oferecer ferramentas que o levem a saber discernir e optar é uma contribuição importante da escola, especialmente do ensino médio, para a formação dos jovens.

Mais uma vez é preciso afirmar que não se trata, por conseguinte, apenas de instruir os alunos para a aquisição de determinada habilidade, nem de levá-los a se apropriarem de um acervo de conhecimentos, mas de instaurar e desenvolver reflexões de modo a possibilitar o amadurecimento de ações que não sejam frutos apenas de imediatismos.

A resposta à questão inicial (O que a escola tem a oferecer para a formação do jovem?) poderá, portanto, depender: 1. do que entendemos por escola; 2. do que entendemos por formação; e 3. do que desejamos para o futuro de nosso jovem.

O que desejamos é: 1. um jovem que, na vida adulta, seja autogovernante de sua vida em coletividade; 2. uma formação que o prepare para viver e (re)criar a vida com dignidade; e 3. uma escola que valorize o conhecimento como estratégia de existência; que seja um espaço de convívio democrático e solidário; e que, por meio de seus educadores, ajude o jovem na construção de sua autonomia.

Nossa resposta não contempla especificamente o jovem do ponto de vista da sua empregabilidade, mas não descarta essa necessidade. O projeto de vida de um jovem não pode se restringir a ter um emprego, seus horizontes devem ampliar-se. Para além do emprego, ele precisa preparar-se para a vida (inclusive para o trabalho, que é mais amplo que o emprego), a fim de não limitar o seu olhar a um perímetro tão estreito.


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Joao Beauclair